A utilização da tecnologia blockchain -- basicamente, um banco de dados
não centralizado estruturado em “cadeia de blocos” de registros públicos ou
privados -- vem se disseminando em cada vez mais indústrias, e não é diferente
com a logística. Há uma infinidade de aplicações com destaque para a área de
bens de consumo que ganha muito com a rastreabilidade, confiabilidade, escala
e baixo custo do blockchain.
Esta tecnologia permite que haja um nível de confiança entre partes
diferentes ao entregar transparência e rastreabilidade de forma fácil e
imutável. Rastreabilidade é a habilidade de conseguir entender todo o caminho
de um produto desde a matéria-prima até o seu destino final. Por exemplo, é
possível detalhar de onde vieram todos os ingredientes utilizados na produção
de uma barra de chocolate e ter a visibilidade de por onde eles passaram ao
longo da cadeia de suprimentos. Além disso, a rastreabilidade ampla
proporcionada pelo blockchain gera dados fundamentais para conhecer mais
profundamente o mercado, tomar decisões, prestar contas e promover mudanças de
estratégia.
Um grande varejista do Canadá traz um exemplo da usabilidade dessa
tecnologia na sua cadeia de suprimentos. Ele tinha um grande desafio em gerir
discrepâncias nas notas fiscais e processos de pagamentos de suas
transportadoras, o que gerava um elevado custo de reconciliação de pagamentos
atrasados.
O serviço de transporte por terceiros é uma atividade essencial para o
varejista, pois envolve a movimentação de quantidades massivas de bens de
consumo (muitos até mesmo perecíveis) por diferentes regiões e climas,
causando uma complexibilidade elevada na operação. Cada carga transportada,
inclusive, requeria um monitoramento de locais de parada, galões de
combustível utilizados, temperatura da carga ao longo do trajeto, tudo isso
sendo atualizado em tempo real e adicionando essas informações para as
emissões de notas fiscais.
Ao todo, uma carga passava por 200 pontos de coletada de informações,
resultando em 70% das notas fiscais sendo contestadas e os parceiros
precisando aguardar um longo tempo até que todas as transações fossem
auditadas. Um outro elemento que trouxe dificuldade para a operação foi a
falta de interface entre o sistema da empresa e os parceiros, o que demandava
longas horas de trabalhos manuais.
A solução foi criar uma plataforma que utiliza o blockchain como a forma
de autenticar as informações e faria todo o processamento das notas a serem
pagas. Ou seja, a varejista utilizou o blockchain para ser uma fonte única
confiável (“single source of thruth”) entre as empresas parceiras e fazer a
gestão das informações usando uma tecnologia descentralizada (sem viés ou
corrompida), logo proporcionando uma grande integridade aos dados pela sua
segurança.
Após a implementação desse projeto, a taxa de contestação caiu para
apenas 1%, o que permitiu que as auditorias manuais necessárias fossem
realizadas com facilidade e maior qualidade. Um ponto positivo extra é que o
sistema acaba guardando informações adicionais das viagens (km, paradas em
posto de gasolina, temperatura da carga...) gerando oportunidades de melhorar
a performance e fazer gestão de risco pela análise do big data.
Uma outra aplicação do blockchain para o setor de consumo é a
rastreabilidade. Uma fábrica de chocolates na Europa comunicou em 2022 uma
contaminação de Salmonela em seus produtos fabricados na Bélgica. A empresa
teve que alertar a população por meio de notas a imprensa, comerciais de TV e
pela internet. Por ser uma fábrica que fazia a distribuição de produtos para
outros países, órgãos de vigilância sanitária tiveram que ser acionados para a
proibir a comercialização dos produtos da marca de forma geral, até que fosse
entendido quais lotes foram afetados.
Nesse exemplo, o blockchain poderia ser útil para a empresa nessa
situação. Ao implementar a tecnologia em toda a cadeia, seria possível ter
visibilidade de quais produtos utilizaram a matéria prima do fornecedor que
foi contaminado e rastrear todos os lotes e chocolates fabricados a partir da
mesma. A ferramenta poderia ser configurada como uma rede pública, permitindo
que os comerciantes e consumidores finais tenham acesso para verificar se os
produtos na posse deles estão contaminados ou não, de forma fácil e rápida.
Com o código de barras, será possível verificar a proveniência e verificar se
houve um “flag” de contaminação dos ingredientes (esse flag seria feito pela
fábrica que teria o controle de fazer essa sinalização para os lotes afetados
do produto).
Os dados podem vir de diversas fontes diferentes, e o próprio sistema
não permitiria nenhuma fraude ou adulteração. O Blockchain seria um “selo”
mostrando que aquela informação é autêntica e verdadeira, sem possibilidade de
ter sido modificada ou adulterada para beneficiar outro stakeholder.
Hoje já existem algumas marcas que permitem que você tenha total transparência
sobre a origem do seu produto final por algum código de barras ou QR Code na
etiqueta. Escaneando pelo celular, os consumidores conseguem ver de onde
vieram os ingredientes primários e até mesmo todas as transações que o produto
realizou até chegar neles.
Como vimos, o blockchain é uma tecnologia que nasceu com intuito de levar um
nível de confiança sem igual para a cadeia de suprimentos end-to-end, podendo
agir como um pilar de visibilidade dos processos para empresas parceiras e até
mesmo os consumidores finais.
* Ana Claudia Wierman Terra é Mestre em Administração de Negócios e
Supervisora de Estratégia do Setor de Consumo na DHL Supply Chain